quarta-feira, 30 de julho de 2008

A Transcendência Maçônica - uma jornada mitológica para além do oriente

por Carlos Alberto Carvalho Pires

Nossa sagrada Ordem utiliza um complexo universo simbólico para transmitir seus mistérios aos iniciados. Tais elementos funcionam como um sistema de chaves e códigos que possibilita, quando adequadamente elaborado, a ocorrência de uma fuga do mundo trivial, da vida efêmera ou profana, rumo ao universo do sagrado. Este poderoso processo psíquico, conhecido como “transcendência maçônica”, é, sem dúvida, a justificativa principal para que tão elaborados rituais, por nós desenvolvidos, persistam quase incólumes ao longo das eras.
Neste breve trabalho sugerimos uma forma de interpretar, por meio da análise da estrutura básica de um templo maçônico, como se apresenta a nós esta intrigante e poderosa jornada mágica que se repete a cada sessão ritualística. Tal qual faríamos em uma prancheta de arquiteto, vamos traçar a linha mestra que encadeia este fenômeno que transpassa os quatro planos de nossa realidade, partindo do macro para o microcosmo, do todo para o individual, da justificação final para a origem do universo, apenas entendendo o sentido de alguns reparos estruturais de nossas oficinas. Esta singela reflexão, permeando através do simbolismo essencial em loja, nos mostra como esta transcendência justa e perfeita nos conduz com força e vigor pelos mais profundos mistérios de nossas almas.

2-AS TRANSCENDÊNCIAS
A interpretação mais antiga dada a este conceito deriva da relação dos homens com a idéia de divindade, em um sentido teológico. Assim, se considera o divino como inacessível às coisas terrenas, pois seriam esferas totalmente distintas, manifestando uma relação dialética permanente. Outro sentido se refere aos conceitos aristotélicos, difundidos na idade média por São Tomás de Aquino (1.225-1.274), que definiam como transcendente tudo que se enquadra nas categorias de unidade, verdade e bondade. Para Hume (1.711-1.776) e Kant (1.724-1.804), transcendental é tudo aquilo que nossa mente constitui a priori, antes mesmo de qualquer experimentação, havendo assim uma complexa interconexão entre a capacidade de estar consciente de certo conceito e a habilidade de experimentar-se o universo das coisas. O transcendente estaria fora de nós, mas acessível pela capacidade intelectual em captar sua essência. Hegel (1.770-1.831) combateu, em parte, este conceito kantiano, pois argumentava que é preciso ultrapassar a fronteira entre o conceitual e o experimental para sabermos ao certo onde este limite se encontra, e assim, logicamente, já se constitui uma transcendência o fato de deter o conhecimento, independentemente de qualquer ação posterior.
No caso específico de nossos trabalhos, saindo deste academicismo ortodoxo, falamos em transcendência quando nos referimos às experiências vivenciadas por todos, em determinados momentos, que representam o ir além de um determinado plano da existência. Tal fenômeno é motivado pela estimulação psíquica que certos fatores determinam e que nos permitem sentir que nosso ser trafega por diferentes patamares ou estruturas da realidade. Estes estímulos são de inúmeras naturezas, manifestando-se tanto em nosso cotidiano quanto em situações de meditação. Desde a simples contemplação de uma singela obra de arte até os mais profundos momentos de reflexão advindos de práticas ritualísticas elaboradas, somos submetidos constantemente a estas possibilidades.
3-OS QUATRO PLANOS DA EXISTÊNCIA
Os planos que delimitam nosso ser foram classificados por diversos pensadores, ao longo das eras, de maneira didática. Vamos considerar, visando conciliar estes estratos de nossa psique com a jornada mitológica do maçom executada no ciclo de loja simbólica, quatro universos contínuos e interdependentes.
3.1-Plano do macrocosmo ou do universal (átrio)
No caso de nossas Sessões, o obreiro aguardando no átrio o início dos trabalhos experimenta os últimos lampejos de sua experiência no plano do mundo exterior. Ali ele deixa todas as preocupações, tensões e pensamentos voltados às suas relações com as outras pessoas e as coisas, ou seja, a totalidade do universo exterior que interage ininterruptamente com ele. Este primeiro plano, chamado de macrocosmo, representa nossa mais elementar perspectiva da realidade. Circunscreve tudo que se percebe como exterior ao ser, tanto em relação ao seu corpo quanto em relação à sua consciência. Falamos do mundo natural ou das coisas, que abrange desde os entes físicos até a própria organização social, política e econômica. Esta área conflituosa é o que chamamos, esotericamente, do profano, em suas múltiplas manifestações.

3.2-Plano do microcosmo ou de si-mesmo (ocidente)

Com o cair das trevas, seja devido à chegada da noite ou das estações da escassez (outono e inverno), surgia uma nova forma de entender a realidade. Agora, um novo universo se impõe, com a perda da noção da tridimensionalidade. Nestes momentos as mentes se voltam mais para si próprias, pela relativa inacessibilidade do mundo externo ou macrocosmo. Ultrapassando o mundo das coisas, dos elementos extrínsecos, nossa percepção se foca a nós mesmo – é a chamada reflexão, no sentido de que nossos pensamentos se voltam para o mais profundo de nossa alma. Adentramos ao mundo do sagrado, de percepção de si-mesmo. Os gregos chamavam esta forma de assimilação da existência como o domínio do plano da psique, da alma ou da personalidade. Nesta fase, apesar da mente estar ativa e consciente, os sentidos físicos já não operam na plenitude. Assim, são as percepções interagindo que dominam as ações. Não nos interessam mais as relações que temos com o mundo fora de nós, e sim as reverberações internas que elaboramos, enquanto seres que possuem esta capacidade de abstração. Em loja adentramos a este campo do microcosmo quando chegamos ao ocidente, com suas doze colunas como as constelação do firmamento, a abóboda celeste acima e a perspectiva de seguir em frente em nossa jornada, já no campo do sagrado.

3.3-Plano do mundo dos mistérios (oriente)

Em determinados momentos, quando os homens são vencidos pelo sono e adentram assim ao mundo dos sonhos, ou quando experimentam transes xamânicos, mais um portal se abre. O inconsciente se impõe. Uma viagem a um universo estranho, a uma realidade paralela, a um plano mágico, se inicia. Nesta condição, os bravos atingem um mundo pictórico, delirante e intrigante, onde estranha e absurdamente se deparam com seus antepassados – que há muito habitam o oriente eterno. O que estaria se passando nas mentes nestes momentos? Os animais imaginários, além de bizarras figuras antropozoomórficas, interagem com os homens, em relações ora amistosas, ora de combate. Os idosos adquirem a higidez dos jovens, e os doentes se curam. Os fortes, nesta nova realidade, manifestam poderes extraordinários, voando, mergulhando, se jogando de abismos, enfrentando feras com as mãos nuas. Estamos, logicamente, em um universo místico. As dimensões se contorcem, o tempo não existe - ali tudo é possível. Como temos nossos amigos e parentes falecidos de volta à vida, seria o mundo dos mortos? A esta pergunta, os magos ancestrais respondiam que sim. Sem entender racionalmente este fenômeno, tão complexo, inexplicável e inexpugnável e complexo, batizaram este universo como sendo o mundo dos mistérios, dos enigmas, dos mortos. Este estágio da personalidade humana é representado, em nossos templos simbólicos, pelo plano do oriente – onde os grandes mistérios da gnose e da sabedoria primordial começam a se revelar aos verdadeiros iniciados.

3.4-Plano do Absoluto (além-do-oriente)

Em algum momento do passado, um sábio, certamente dotado de carisma – aquela qualidade que não sabemos definir, mas que se traduz por fornecer um tremendo poder de influência a quem a possui – propôs uma nova interpretação a estas experiências transcendentais que vivenciamos, em loja ou na vida profana. A justificativa é que deve haver um projeto por trás destas realidades, algum elemento gerador, alguma origem-causa-sentido nesta situação toda. Alguém ou algo deve ter arquitetado esta realidade multi-dimensional, e a nós, simples mortais, não é possível definir exatamente o que isto é ou representa. Apenas temos contato com esta entidade ou ser originário nos momentos de sonhos, de transes ou no post mortem. Nesta condição tateamos este eterno, esta universalidade ou absoluto, pelas inúmeras formas com que tal estrutura se revela aos poucos escolhidos – os chamados profetas. Estes teriam, na visão esotérica, atingido a luz ou conquistado a verdadeira sabedoria gnóstica. Seja como for, se estabelece assim o quarto plano de nossa jornada. Vamos além do oriente, buscando algum ponto virtual, uno e indefinível, que pode ser no centro do olho, ou no delta, no Sol ou na Lua, ou em qualquer outra figura simbólica ali posicionada.

4- CONCLUSÃO

Antes de chegarmos à loja, estamos vivendo exclusivamente no universo do macrocosmo, da realidade física ou natural, e dos elementos que norteiam nossa vida profana e banal. Este plano deve, obrigatoriamente, ser exercido e vivenciado desta forma, ou seja, fora das colunas, barrado de maneira absoluta no limiar do átrio.
Quando nos paramentamos e a hora de início dos trabalhos se aproxima, nossos espíritos se preparam para uma transformação. Vamos passar para a hora da noite, onde nossas consciências serão se voltarão para os labirintos de nossa mente. Exatamente ao meio dia começa o Sol seu longo e derradeiro declínio – a noite começa. Ao se abrir o pórtico, saímos do mundo profano e caímos na seara do sagrado, abandonando o universo da tridimensionalidade para chegar ao mundo da reflexão, da meditação e da sensibilidade exacerbada, do intangível e da espiritualidade. Este campo pertence, simbolicamente, ao ocidente. A janela de nossa alma se volta para os desígnios de nosso autoconhecimento, do gnothi saulton socrático. Ainda estamos conscientes, mas já nos preparamos para os grandes mistérios que se apresentarão. A luz é fraca, como aquela vinda dos astros, da lua e das fogueiras ancestrais. Estamos envoltos pelas trevas físicas, concentrados e reflexivos, unidos na mais sólida fraternidade e com os sentidos operando no limite.
A balaustrada posicionada entre o ocidente e o oriente divide a loja e nossa mente em dois compartimentos. Transpondo este adereço, saímos do mundo do si-mesmo e conquistamos o terreno dos sonhos, do inconsciente, da espiritualidade, dos mistérios e da magia. Este só é atingido após a subida dos 4 degraus, que representam o domínio sobre as 4 ciências elementares, de acordo com Pitágoras – Aritmética, Geometria, Astrologia e Harmonia. O oriente simboliza exatamente o universo do subconsciente, onde imperam os mistérios mais ocultos.
Só após vencer estas três etapas preliminares, o iniciado pode acessar a verdadeira sabedoria. O último portal se apresenta. Experimentando, finalmente, um sutil contato com a universalidade, com o todo eterno e absoluto, com algo superior ou princípio gerador, chamada também de geometria elementar que projetou e governa todos os mundos, o poderoso desbravador dos limiares da existência tem seu ciclo místico fechado.
Esta, sem dúvida, pode ser considerada uma síntese da jornada simbólica mais justa e perfeita jamais empreendida por qualquer ser humano, em busca da verdade.


5-REFERÊNCIAS:

5.1-Boni, Luis A, “Finitude e Transcendência” 1ª Edição, Editora Vozes, 1.999;
5.2-Genette, Gerard, “Obra de Arte – Imanência e Transcendência”,1ª Edição, Editora Litera Mundi, 2001;
5.3-GLESP – “Ritual do Simbolismo do Aprendiz Maçom”, 2.001;
5.4-Jaguaribe, Hélio “Transcendência e Mundo na Virada do Século”, 1ª Edição,
5.5-MacDowell, John, “Saber Filosófico, História e Transcendência”, Editora Loyola, 2.002;

Simbolismo Maçônico em Stonehenge

por Carlos Alberto Carvalho Pires

Stonehenge, o famoso círculo de pedras localizado a sudoeste da Inglaterra, foi erigido por um povo há muito esquecido, que não deixou vestígios escritos ou registros formais. Ninguém sabe como tal obra era chamada pelos construtores originais, nem mesmo como se nomeava esta comunidade.
Não existe nada igual em parte alguma. Foi construído antes do surgimento de qualquer cidade, do desenvolvimento da escrita, e muito antes de qualquer estado ou rei ter se estabelecido. Quem teria projetado tal estrutura, como e por que são algumas das perguntas que fascinam a todos. Representa um lampejo de uma era que se foi.
Testemunha concreta de um passado místico, repleto de mistérios, Stonehenge foi palco de cerimônias complexas e ritos mitológicos elaborados. Integrando diversos elementos conceituais no mesmo projeto, os mestres-construtores demonstraram possuir pleno domínio nas ciências da Arquitetura, Geometria e Astronomia, muito antes da eclosão das culturas egípcias e mesopotâmicas. Alguns conceitos matemáticos como o valor de Pi, que seria estabelecido 2.500 anos mais tarde por Pitágoras, foram utilizados no projeto original. Também incorporaram, com ajuda dos sacerdotes, valores simbólicos que formariam a base de vários sistemas religiosos e doutrinários.
Recentes estudos arqueológicos começam a esclarecer o que passava pelas mentes dos antigos habitantes da região ao construírem tão imponente obra, uma das mais significativas manifestações da capacidade humana de expressar idéias através de edificações.
O que surge deste conjunto de descobertas começa a intrigar os espíritos dos modernos adeptos das práticas esotéricas. Ao desvendar parte dos enigmáticos segredos de Stonehenge percebemos que adentramos em um universo rico em elementos arquetípicos e mitológicos, criados para desbravar alguns dos mais tortuosos labirintos psíquicos da alma humana.
Incrivelmente, grande parte do que tem emergido à superfície nos parece familiar. A antiga doutrina e liturgia desta era parecem reverberar solenemente em vários aspectos de nossas Sessões Ritualísticas, em pleno século XXI, estabelecendo uma forma inesperada de conexão mística. Tal fenômeno sugere que o Simbolismo Maçônico contemporâneo e o universo mágico da Grã Bretanha ancestral seriam partes da mesma ciência, da mesma alquimia misteriosa, que tendo surgido em uma época remota permaneceria viva e operante até os dias atuais.
Esta poderosa especulação, que contorce as dimensões de tempo e espaço da tradição histórica de nossa Sublime Fraternidade, representa mais um capítulo a ser desbravado em nossa longa jornada de aprendizado.

2- TEMPLOS SIMBÓLICOS.

Na aurora do Homem, quando os grandes questionamentos sobre a existência floresceram, o espírito indômito dos primeiros especuladores incentivou a eclosão de uma revolução criativa que marcaria a Humanidade para sempre.
Uma nova maneira de encarar o universo, como algo mais do que a mera realidade visível, se cristalizava nas mentes dos poderosos magos do passado. Esta perspectiva inovadora da realidade levou ao surgimento de magníficas obras, na tentativa de elaboração concreta destes dramas que passavam a afligir a alma humana.
Surgiam, assim, os primeiros templos, as primeiras catedrais.
A palavra “templo” se deriva do latim templum. Refere-se a uma edificação dedicada ao serviço religioso ou transcendental. Rizzardo da Camino define tal conceito de forma similar, como sendo o local onde se cultua uma divindade. Os egípcios os consideravam as “mansões dos deuses” ou os lugares mortuários, quando dedicados aos antepassados.
No início eram espaços delimitados em meio às florestas ou cavernas. Neste período os pensadores só tinham a abóbada celeste acima, as doze constelações como colunas de sustentação em volta, a fraternidade no coração, o infinito nas mentes e uma inquietação angustiante clamando pela compreensão plena dos mundos – o visível e o oculto.
Na fase seguinte, com a melhoria nas técnicas de Arquitetura, os pedreiros ancestrais começaram a construir as primeiras estruturas dedicadas exclusivamente aos cultos. Surgiram obras complexas, nas quais aquela realidade natural que circundava os templos em meio às matas passava a ser retratada por alegorias, metáforas e por uma série de símbolos que ainda hoje interagem ativamente em nosso subconsciente.
Templos, enquanto entidades físicas, e os símbolos, como instrumentos e método para desenvolvimento dos trabalhos, tornaram-se figuras inseparáveis neste processo de aprimoramento pessoal e filosófico a que nos propomos a partir do momento que passamos a integrar uma sociedade esotérica. Esta conjunção se apresenta claramente nas mais antigas fraternidades, como a ordem dos antigos mistérios dos Essênios, das sacerdotisas de Inanna, na Suméria, das Thesmophorias de Deméter, em Atenas, das Vestais de Roma, e até na enigmática ordem de Malek-Tsedeq ou Melquisedec. Onde encontramos sinais da existência de um destes elementos, certamente o outro estará em Pé e a Ordem, apesar de, às vezes, não percebermos sua presença imediatamente.
No caso específico das Oficinas Maçônicas, que são os espaços sagrados nos quais são desenvolvidas nossas Sessões, tal magia certamente se faz presente. Estas estruturas arquitetônicas, dedicadas aos grandes mistérios, possibilitam uma identificação pessoal dos iniciados com todo simbolismo ali existente, estabelecendo uma simbiose que transforma as metáforas em reflexos de nossa própria persona enquanto seres que questionam a si mesmos e toda existência.
As figuras simbólicas operando entre Colunas são ferramentas psíquicas poderosas que nos orientam em nosso longo aprendizado - a chamada jornada em busca do autoconhecimento. Só sabendo exatamente quem somos podemos ter a esperança de adentrar sutilmente no mundo do oculto, tateando os significados dos grandes mistérios – como a sabedoria das religiões primordiais, os segredos do mundo perdido, a compreensão da primeira trindade, a busca pela palavra perdida, o enigma das grandes diferenciações e assim por diante. Os Templos com seus signos representam nossa psique, os quatro planos do universo retratando o princípio, o meio e o fim de tudo.

3- STONEHENGE, A OBRA

Stonehenge, do inglês arcaico stan = rochas, e hencg = eixo, se localiza na planície de Salisbury, no sudoeste da Inglaterra, próximo à cidade de Amesbury. A mais antiga referência a esta maravilha do mundo antigo foi feita por Hecateu de Abdera, em sua magnífica obra “História dos Hiperbóreos”, datada de 350 a.C. Trata-se de um conjunto de pedras, algumas com mais de 45 toneladas, agrupadas em um arranjo circular parcialmente conservado. Integra um conjunto de obras erigidas pelas chamadas civilizações megalíticas, surgidas na Europa a partir de 8.000 anos a.C. Estas comunidades embrionárias, que conquistaram a Europa no final da última glaciação, começaram a se fixar nas Ilhas Britânicas à medida que o gelo e frio recuavam, criando um clima mais ameno, propício às culturas agrícolas.
Por volta de 4.300 a.C. grandes levas de agricultores chegando do continente passaram a se estabelecer na região. Tinham certa facilidade para se fixar, pois dominavam técnicas de cultivo de trigo e de criação de gado, e utilizavam instrumentos de pedras, ossos e cerâmica. Logo depois, no período Neolítico superior, imigrantes da atual França conquistaram a Planície, e em 2.500 a.C. comunidades vindas do Vale do Reno e da Holanda chegaram. Estas últimas, também chamadas de Povo Beaker, tornaram-se hegemônicas na área até 1.800 a.C. , quando foram sobrepujados por uma nova cultura, denominada Wessex – que dominaria a maior parte da região.
Nesta época floresceram vários cultos místicos, no contexto da citada eclosão criativa. No final do 4o século a C. os antigos sacerdotes, motivados por idéias e conceitos originais, começaram a construção de um grande arranjo em forma circular, com quase cem metros de diâmetro. Era o início da epopéia de Stonehenge, cujo processo de elaboração foi dividido, pelos arqueólogos modernos, em três fases ou momentos distintos.
A chamada 1ª FASE ( 3.100 a.C.) é marcada pela construção da estrutura circular primordial. Constituída por um grande morro redondo, com 97,54 m de diâmetro, era circundada externamente por uma vala. Apresentando algumas descontinuidades e uma “entrada” principal, logo foi preenchida por um arranjo circular com 56 troncos fixados no solo, chamado de “Círculo de Aubrey”, em homenagem ao seu descobridor. Esta fase, só com o morro redondo e os troncos, durou apenas 50 anos.
Em seguida entramos na 2ª FASE (3.000 a.C.). Nesta etapa observamos, inicialmente, a colocação de 168 troncos fixados no solo, dispersos pelo interior do círculo. Formavam a sustentação de uma cobertura, com uma abertura no centro, por onde as pessoas podiam observar o céu e que servia de saída para a fumaça das fogueiras. Foram realizadas descobertas extremamente interessantes na vala circular, incluindo a identificação de restos humanos cremados e objetos sagrados, localizados em pontos estratégicos. Neste período foram criados outros círculos ritualísticos muito semelhantes a Stonehenge, como o chamado Woodhenge, construído ao norte. Na última ou 3ª FASE (2.600 a.C.), registra-se a remoção dos troncos e a chegada das chamadas Pedras Azuis, trazidas das Montanhas Preseli (País de Gales), localizadas a 160 km em linha reta. Os arquitetos elaboraram dois semicírculos com estas enormes rochas, em forma de ferradura, um no interior do outro, com a abertura em frente à entrada original do círculo. Cerca de 80 peças compunham este arranjo. Um caminho, espécie de “avenida”, formado por uma reta ladeada por duas valas paralelas, com cerca de 14 metros de largura, foi confeccionado à entrada principal do círculo. Seu posicionamento toma o ciclo solar como referencial, sendo exatamente alinhado com os raios solares no poente do solstício de inverno, ou com o nascer do Sol no solstício de Verão. Este caminho levava diretamente às margens do Rio Avon, o principal curso de água da região
Todo este espaço místico foi utilizado até o final do segundo milênio a.C. Por volta de 1.100 a.C.o santuário foi abandonado. Não há consenso sobre os motivos deste fato. Provavelmente, os cultos passaram a ser direcionados aos rios e pântanos, e a poderosa catedral que operava em Pé e a Ordem há quase 2.000 anos se reduziu a um estado dormente, assim permanecendo por muitos séculos.
Em 1.918 alguns festivais e eventos esdrúxulos coordenados por sacerdotes ou “druidas contemporâneos” começaram a atuar nas ruínas, realizando cerimônias em que tentavam resgatar alguns conceitos do passado remoto. Em 1.985 o English Heritage, órgão do governo inglês responsável pelo monumento, proibiu tais celebrações.

4- UNIVERSO SIMBÓLICO

Várias teorias foram lançadas na tentativa de desvendar os objetivos que levaram à construção de tão imponente obra. A utilização do sítio variava conforme a época, uma vez que diferentes culturas dominaram a região, cada qual com costumes e tradições distintas.

4.1-REPRODUZINDO O UNIVERSO

Analisando detalhadamente o projeto, na primeira fase, percebemos que toda estrutura, principalmente o morro circular com as “falhas” ou descontinuidades poderiam ser detalhes precisos de uma grande reprodução em escala, de alguma região geográfica. Esta idéia de Stonehenge ser um mapa cartográfico estilizado foi recentemente comprovada. Ao compararmos o arranjo com a conformação ambiental da Planície de Salisbury, ao redor, vemos que a real intenção dos arquitetos foi reproduzir a plenitude de seu mundo visível. Os 56 troncos representariam as florestas, o morro elevado personificaria as montanhas ao longe, e a vala seria o final do mundo, o horizonte amedrontador, o abismo do limite da perspectiva que poderia “engolir” os aventureiros. No interior da estrutura teríamos enclausurados os parâmetros da existência humana, com o céu formando o “teto”, estando presentes o Sol, a Lua e as constelações do zodíaco. O Rio Avon, que dava sustento a todas as comunidades da região, também se mostra retratado no círculo. Seu curso sinuoso coincide exatamente com a existência das entradas ou “falhas” no morro. Estabelecendo esta conexão, que é cientificamente comprovada e facilmente observável, percebemos quantos enigmas se apresentam apenas nesta primeira fase, que é considerada a mais “primitiva” do processo de aprimoramento místico da comunidade.
Esta preocupação em reproduzir o Universo conhecido também se mostra presente em nosso Simbolismo. Sabemos que, entre Colunas, estamos situados sob a abóbada celeste, tendo a infinitude dos pontos cardeais nos circundando, e as doze colunas ou constelações do firmamento também se fazem presentes.

4.2-CÍRCULOS

Continuando na primeira fase, notamos que os místicos primordiais manifestavam uma grande fixação pelas formas circulares. Os círculos são expressões matemáticas utilizadas desde o princípio dos tempos. Esta perfeita forma geométrica estabelece diversas conexões arquetípicas na mente humana, sendo elemento propulsor da vida em movimento. Representa a essência dos mistérios da natureza. Faz o tempo se retorcer em si mesmo, orientando todos pelos caminhos contínuos do reinício e fim constantes, tornam os pontos de partida e de chegada coincidentes neste processo único de ser e existir, livre das mitologias seminais cosmogônicas e escatológicas.
Os mais antigos povos, de todas as culturas e locais do planeta dançavam ritualisticamente em círculos, meditavam diante de formas circulares, reverenciavam corpos celestes, percorriam labirintos e se sentavam em rodas elípticas para orar. Os Celtas consideravam o tempo como sendo uma das triplas linhas da existência, e o representavam como um círculo no qual todos os enigmas se revelavam. Os Astecas veneravam as flores com forma circular, pois personificariam a alegria e felicidade, além do ciclo solar diário e anual, com suas jornadas eternas de nascimento e renovação. Os índios americanos da tribo Sioux afirmam que toda fonte de poder do mundo se manifesta em círculos, como o céu, as estrelas, o vento em forma de furacões, os ninhos dos pássaros e a própria vida dos homens, da infância à morte.
Nossa vida e ambiente são repletos de símbolos circulares ou espiralados. A íris dos olhos, a forma dos rostos, o horizonte distante, a Lua e o Sol se apresentam nesta forma – além das galáxias distantes e das moléculas de DNA, síntese da vida. O próprio universo físico, com as constelações, buracos negros e demais entes astronômicos, tem conformação circular. Forma uma imensa “bolha” que deve interagir, de acordo com a física quântica, com infinitos universos paralelos que também são arredondados.
Em nosso mais profundo íntimo também vamos encontrar esta geometria. Jung (1875-1961) dizia que o ponto mais central de nossa alma, o self, é um círculo. Por isso, ele o representou com mandalas, que são figuras com várias formas geométricas em torno do mesmo centro.
Para a teoria do eterno retorno (Nietzsche, 1844-1900), segundo a qual tudo ocorre infinitamente, ao longo do tempo, como uma perene repetição de todos os eventos, o círculo também se recobre de profundo simbolismo. Não há outra figura que melhor represente este ciclo infinito de experiências contínuas, que devem ser moralmente justificáveis e “nobres” para que se perpetuem por todo o sempre.
O círculo, tal quais as formas essenciais da natureza, assume uma aura sagrada e misteriosa. Tem infinitos lados e nenhum ao mesmo tempo. Neles se encontram o princípio e o fim na mesma estrutura, fazendo referência à semente ou embrião original e ao final escatológico, sem definir onde exatamente se posicionam. Centraliza, portanto, as mais primitivas leis da natureza, os mais profundos sentimentos de continuidade e a terrível inevitabilidade do “pêndulo do relógio”.
A forma circular de Stonehenge, por si só, já representa uma profunda e complexa comunhão dos universos simbólicos que fundamentam a cultura esotérica do passado e a atual. Esta característica está presente na arquitetura de diversas obras utilizadas por ordens iniciáticas, como as catedrais dos Cavaleiros Templários, e em nossos templos - nos inúmeros símbolos que seguem este traçado, como o círculo místico em torno do Altar dos Juramentos.

4.3-GIROS RITUALÍSTICOS

Os antigos sábios consideravam que movimento é sinônimo de vida. Os mortos apresentam, como primeira e óbvia característica, a imobilidade corporal. Os enfermos tendem a se recolher em repouso absoluto. A água, um dos quatro elementos, para ser de boa qualidade deve ficar em constante movimento. Se permanecer estagnada torna-se inadequada ao uso. O oposto da paralisia mórbida e funesta é o movimento. Deste raciocínio surgem todos os cultos e festejos à vida, à ressurreição e à renovação da natureza, carregados de danças, músicas e alta dinâmica de movimentação. Em Stonehenge as celebrações eram realizadas com grande volume de pessoas se movimentando ritualisticamente em torno do eixo principal, que era o centro do culto, e provavelmente circulavam no sentido horário.
Certamente os participantes assumiam grande rigor na ordenação dos trabalhos, em relação ao sentido de giro em volta do altar. Sabemos que quando giramos no sentido horário, desejamos absorver a energia do universo, trazendo do macrocosmo todas as emanações e influxos positivos. Caminhando no sentido anti-horário, levamos nossas energias ao universo externo, tirando do microcosmo local e elevando as vibrações ao infinito. No primeiro caso buscamos, metaforicamente, salvação a nós mesmos, e no segundo oferecemos salvação aos outros.
Esta é uma característica presente ainda hoje em nossas práticas ritualísticas, notadamente em relação à circunvolução praticada Mestres de Cerimônias no transcorrer das Sessões. A mesma liturgia e os significados sacramentados nos cultos ancestrais da velha Inglaterra ainda se mostram presentes nos movimentos regulares dos obreiros atuais.

4.4- MITOS DE RESSURREIÇÃO

As celebrações em Stonehenge ocorriam em datas específicas do calendário. A razão para estas reuniões, nestes momentos determinados, se explica pela própria arquitetura do monumento. O perfeito alinhamento da entrada do morro circular e da “avenida” com os raios solares no poente do solstício de inverno e na alvorada do solstício de verão, e com a descida da Lua na posição mais meridional, a Sul Sudoeste, comprova que ali ocorriam cultos devotados aos ciclos lunares e solares.
Na noite do solstício de inverno (21 de dezembro) é celebrada a “morte” do Sol, e o início – na manhã seguinte – da longa jornada rumo ao seu apogeu, que ocorre no equinócio da primavera. O ciclo solar, tal como uma criança recém nascida sob a égide da constelação de Virgo ou Virgem, se inicia neste dia, trazendo as boas novas a todos - que seriam as perspectivas de renovação da natureza e de toda vida, através das dádivas dos raios solares incidindo gloriosamente sobre a mãe-terra. A longa noite de espera pelo renascimento do astro-rei, por aquele que traz a vida, o sustento e toda renovação da natureza ao longo das estações, era marcada por celebrações intensas, carregadas de grande significado esotérico e transcendental.
A Lua também teria um papel interessante neste universo metafórico. Foram detectados restos de animais, cerâmicas e objetos diversos na vala, no ponto exato, a Sul-Sudoeste onde ela desaparece no horizonte na última noite da fase Cheia. Uma intrigante teoria sugere que nesta noite, ao visualizarem a Lua descendo no horizonte, os magos posicionavam os corpos dos mortos sobre a pedra “Altar”. Esta rocha, com tons claros que refletiam ao luar, criava um amálgama visual entre sua imagem e a da Lua. As almas dos falecidos, em meio a esta fusão mística, seriam carregadas juntamente com a Lua para o mundo da eternidade. Sabemos que tal corpo celeste personifica uma dramática jornada mitológica, “morrendo” ao final de cada ciclo e descendo ao mundo das trevas. Ali permanece oculta por um breve período (três dias) e renasce espetacularmente na terceira noite. Aqueles que “pegam carona” com a Lua, vencem a morte e ressurgem triunfalmente, atingindo uma outra dimensão, uma nova vida em um mundo além deste.
Toda essa saga representa o eterno retorno e o milagre da ressurreição. Tal arquétipo foi exaustivamente incorporado por muitos sistemas religiosos posteriores, como, por exemplo, no culto ao deus-menino persa Mitra, na epopéia de Hércules, na saga descrita no Mahabharata daquele que é considerado a oitava encarnação do deus Vishnu, o semi-deus Mitra, e na lenda de Ísis e seu filho divino, Hórus.
Em nossa doutrina utilizamos como método e objeto de estudos diversas formas de mitos de ressurreição/transformação. Destacamos o Tronco de Beneficência e a própria lenda mater de nossa Sagrada Ordem, Hiram Abif.


4.5- CULTO AOS ANTEPASSADOS?

A religião dos antigos britânicos seria um culto aos antepassados? Esta pergunta foi uma das primeiras a serem formuladas pelos pesquisadores, no início do século XIX. Várias vertentes religioso-filosóficas englobam este componente, e isto também deveria ocorrer nas comunidades ancestrais da Europa. De acordo com esta hipótese, recentemente lançada, toda estrutura de Stonehenge se relacionaria a um complexo ritualístico mais amplo, abrangendo uma extensa área geográfica, voltado ao culto dos mortos, a sua passagem para outra dimensão e seu posterior renascimento. O círculo de pedras seria parte de um elaborado rito com vários capítulos, que se iniciaria a exatos 3,2 quilômetros dali, em Woodhenge – o outro círculo místico, feito em madeira. De sua única entrada sai um caminho ou curso ladeado por monólitos – similar ao de Stonehenge – que leva às margens do rio Avon. Esta “trilha” está precisamente alinhada com os primeiros raios de Sol no solstício de inverno, ao contrário de Stonehenge que se alinha com poente.
Os arqueólogos estabeleceram uma intrigante relação entre estes dois círculos. Faziam parte de um elaborado culto que atravessaria a noite e o dia inteiro, da alvorada ao poente. Pessoas de toda região se dirigiriam inicialmente a Woodhenge, no final da noite anterior aos solstícios de inverno, permanecendo ali até a alvorada do dia seguinte. As edificações em madeira representam a vida, a mortalidade, a finitude, ou seja, o portal dos vivos. As celebrações ali desenvolvidas transcorriam com imenso consumo de comida e bebida. A grande quantidade de dentes de porcos achados no local, todos com nove meses de idade, comprova a idéia de que os eventos eram realizados exatamente nos solstícios de inverno. Marcando o início da fase seguinte do ritual, teríamos o nascer do Sol, com os primeiros raios incidindo exatamente pela entrada do grande anel e na avenida, diretamente sobre o altar de Woodhenge. As pessoas, então, seguiriam rumo às margens do rio Avon, caminhando pela avenida ou caminho, com o Sol orientando a marcha. Ali teriam contato com o elemento água, tal qual um batismo ou uma purificação aos vivos e mortos. O cortejo, em procissão, percorreria o curso do rio, até a altura de Stonehenge. Então, seguiriam a outra “trilha”, ladeada por megálitos, seguindo até o conjunto de pedras. Como já se finda o dia, o Sol agora se alinhava exatamente neste caminho. Chegando a Stonehenge, havia a coroação da celebração, começando no poente e transcorrendo por toda noite. Stonehenge simbolizaria o portal dos mortos - a imortalidade e perenidade das rochas, frias, imutáveis, resistentes, representam a eternidade. A entrada das almas nos reinos subterrâneos e seu posterior renascimento glorioso, juntamente com o novo ciclo solar pós-solstício, estaria garantida através deste rito.

5- CONCLUSÃO

Como legítimos inquisidores da Verdade - ou phree-messen, conforme a tradição do antigo Egito – devemos atentar para a importância histórica de Stonehenge no processo de construção mística de nosso simbolismo. A maior parte da obra se desfez nas intempéries dos tempos. Entretanto, a essência dos cultos primordiais que ali se desenvolviam se manteve incólume à passagem das eras.
Os povos surgiam e pereciam, mas os mitos fundamentais, as lendas magnas e todo simbolismo desta era mística se cristalizaram de forma alquímica e inexorável nas almas daqueles que voltavam suas mentes para além do mundo visível.
Seus inúmeros significados, recentemente compreendidos, trazem conclusões inesperadas e intrigantes. Os magos-arquitetos das eras ancestrais, que projetaram tal monumento, determinaram ali as bases seminais do simbolismo esotérico que fundamenta grande parte dos princípios das sociedades iniciáticas atuais.
Erigido muito antes das primeiras iniciações no vale do Nilo e das celebrações a Elêusis, Orfeu e Dionísio, e mais de 2.000 anos antes do surgimento do lendário rei Salomão, o enigmático círculo de rochas pode ser considerado um legítimo Templo Maçônico, que operava a plena força e vigor, de forma justa e perfeita, de acordo com a ritualística primordial – que, basicamente, continua a mesma.
Ao buscarmos a compreensão dos mistérios de Stonehenge, estamos, na realidade, trilhando mais alguns degraus em busca de nossa própria identidade.

7-REFERÊNCIAS:

1- Camino, Rizzardo D, “Dicionário Maçônico”, 1ª Edição, Editora Madras, 2.006.
2- Doucet, Friedich W., “O Livro de Ouro do Ocultismo”, 1ª Edição, Ediouro Publicações, 1.990.
3- Dyer, Colin , “O Simbolismo na Maçonaria”, 1ª Edição, Editora Madras, 2.006
4- Lomas, Robert, “Girando a chave de Hiram – Tornando a Escuridão Visível”, 1ª Edição, Editora Madras, 2.006.
5- Meaden, Terence “Stonehenge: the Secret of the Solstice”, 1ª Edição, Editora Souvenir, 1.997.
6- Niel, Ferdinand “Stonehenge: Arqueologia do Templo Secreto” 1ª Edição, Editora Hemus, 2.004.
7- North, John D “Stonehenge: A New Interpretation of Prehistoric Man and the Cosmos”, 2ª Edição, Editora Free Press, 1.997.
8- Souden, David “ Stonehenge Revealed” 3ª Edição, Editora Facts on File, 1.998

Internet:
http://www.english-heritage.org.uk/

Cátaros - Aurora da Maçonaria?

por Carlos Alberto Carvalho Pires

A-Introdução
Na idade das trevas, quando o espírito repressor de quem detém o poder podia atingir limites inimagináveis , uma terrível cruzada irrompeu no sul da Europa . As vítimas foram membros de um pequeno grupo religioso , chamados “Cátaros” ou “Hereges” . Tal movimento, cuja origem e evolução ainda não foram satisfatoriamente explicadas , deixou como legado um grande exemplo de luta e coragem , raramente visto em outros momentos .
Vamos realizar, ao longo deste trabalho , três viagens no tempo . Voltaremos nossa imaginação até o final do século XII e início do XIII, em uma área situada ao sul da atual França. Chamada de “Ocitânia” , era limitada pelos Pirineus e Mediterrâneo , ficando entre o reino de Toulouse e a casa de Aragão , na Espanha . Esta região , de grande beleza natural , era povoada por uma comunidade feliz , tranqüila e extremamente avançada para a época , em termos de bem estar e harmonia social . Havia riqueza abundante e fartura material , raras na Europa medieval. Em termos políticos era uma oásis de liberdade, pois se tratava de um território praticamente independente de qualquer poder central. O domínio papal era quase imperceptível, sem grande influência no destino de senhores e servos.
Tudo caminhava em paz , até que a cobiça , ganância e a megalomania de alguns acabaram com este paraíso na Terra. Aproveitando a existência de um movimento fundamentalista cristão que se ali prosperava, uma triste demonstração da mais agressiva crueldade humana foi colocada em prática . Esta nova corrente religiosa, criada a margem do poder eclesiástico, foi chamada posteriormente de “Catarismo” . Então, com máscara de guerra santa , foi colocada em marcha aquela que seria a maior carnificina de cristãos no mundo ocidental. Uma Cruzada terrível e sangrenta foi desencadeada pela Igreja, contra seus irmãos de fé. Disfarçados de defensores de Deus, os algozes na verdade queriam a incorporação política da região ao reino da França, além de garantir o Catolicismo como religião hegemônica e soberana.
Ao lançarmos luzes sobre os meandros que envolveram este triste capítulo de nossa História ,uma certeza inquestionável nos é apresentada : a ascensão e derrocada dos denominados “hereges” foi um fenômeno extremamente significativo para nossos IIR do passado . Isto porque os ideais que ainda hoje apregoamos em nossas SS , a cada reunião semanal - tais como liberdade , igualdade e fraternidade - tem relação direta com os eventos aqui tratados . Se mesclam os fundamentos doutrinários de nossa Ordem e vários conceitos relativos a este pequeno grupo de religiosos . Portanto , ao estudarmos este assunto , estamos estudando o próprio fenômeno maçônico .


B – Primeira Viagem : Antecedentes

A Igreja de São Pedro surgiu por volta do século I na região da Palestina, como uma derivação do Judaísmo. Rapidamente se espalhou por todo Oriente Médio e demais áreas do Império Romano, como Ásia e norte da África. Em cada região a mensagem de Jesus era ligeiramente adaptada às crenças e tradições locais.
Nas diversas comunidades em que a nova religião começava a aflorar, a hierarquia e administração eram relativamente independentes umas das outras, mas sempre era possível observar a influência de Roma sobre todas. Após a legalização do Cristianismo realizada por Flavius Marcellus Constantino I, por volta do ano 320 d.C., a pressão sobre os grupos chamados não-cristãos passou a ser exercida de forma severa, com perseguições, destruição de sítios e demolição moral dos símbolos das seitas concorrentes.
Com a divisão do Império Romano em duas partes, o comando religioso também se dividiu, mantendo um líder em Roma chamado de “Bispo” e outro em Constantinopla ,conhecido como “Patriarca” . A língua oficial do Império Romano do Ocidente era o latim, e da porção oriental o Grego, utilizado para transcrever os primeiros textos contendo os ensinamentos cristãos. Nesta fase, a então seita emergente passou por um processo de expansão extraordinário.
No início, a doutrina cristã era parte fundamental da luta das minorias contra o poder estabelecido , almejando a quebra do “status quo” dominante. Este perfil se alterou em um período relativamente breve de tempo. Ao longo dos anos cresceu vertiginosamente entre as classes populares , pois apregoava a igualdade de todos perante Deus – inclusive mulheres e escravos . Também alcançava as castas mais nobres, que apresentavam um comportamento extravagante , prometendo a salvação eterna através única e exclusivamente da aceitação dos dogmas apregoados. Com a entrada das elites na nova ordem, e com o enriquecimento da cúpula , o movimento se tranformou : de instrumento de combate à hegemonia dos mais fortes , tornou-se ele próprio um agente de dominação da população .
A tomada dos locais sagrados do paganismo e a subseqüente instalação de sacerdotes cristãos exatamente nos mesmos templos fazia parte da política de abafamento às crenças locais . Para satisfazer as necessidades do povo, que se acostumara a freqüentar as sessões ritualísticas antigas, os líderes cristãos utilizaram uma velha estratégia : incorporaram os mitos, símbolos , paramentos e ritualísticas dos cultos esmagados , transformando-os em “tradições” católicas . Este modus operandi fez muito sucesso no passado .Exemplo clássico destas absorções é o culto à Mitra , da antiga Pérsia , que se tranformou numa festa romana , comemorada na época do solstício de inverno - natalis sol invictus . Em seguida, veio o Cristianismo e transformou a homenagem romana ao nascimento do Sol no dia de nascimento de Cristo , extinguindo totalmente o mito primordial .
Entretanto , e a despeito de todo este empenho em fortalecer as novas bases espirituais , após a fase de expansão inicial do século I ao IV , a Igreja sofreu grande risco à sua sobrevivência . Já às portas do século VI tal crise se mostrou como um eminente cataclisma sobre as colunas de São Pedro , Agravaram tal situação os movimentos migratórios em direção à Constantinopla e as invasões bárbaras. Ao mesmo tempo em que se fragmentava o Império Romano , a instituição eclesiástica que crescera ao seu lado também sofria os efeitos deste processo . O Papa exercia sua liderança com visível dificuldade , e o cisma da Igreja já demonstrava a precariedade da unificação espiritual em toda Europa. Importante lembrar que coexistiam várias igrejas distintas , como a Celta e a Grega , que também buscavam fortalecimento notadamente nos rincões mais afastados , onde Roma praticamente não exercia sua influência. Para piorar a situação, a Igreja Ortodoxa de Constantinopla se consolidava juntamente com o fortalecimento do Império Romano do Oriente , que perduraria até meados do século XVI .
Tornava-se evidente que era preciso buscar apoio de uma grande força centralizadora , que pudesse garantir militar e politicamente a unidade territorial do império e a hegemonia das idéias de Cristo sobre todas as seitas que germinavam na vastidão das terras de César . Tal acordo deveria ser suficientemente poderoso para , além de sufocar todas as correntes teológicas concorrentes , garantir a fidelidade cega de todos os súditos aos ditames cristãos.
A salvação do trono de São Pedro se cristalizou na figura de um rei franco , chamado Clóvis . Por volta de 486 d.C. , tal monarca havia anexado vários territórios , reinos e principados, conquistando a posição de mais importante mandatário da Europa em um curto espaço de tempo. Um eventual acordo entre ele e o papado seria altamente benéfico para ambas as partes , pois daria legitimidade espiritual ao conquistador e garantia de manutenção e prevalência do cristianismo sobre todas as outras vertentes religiosas . E assim foi feito . O reino franco se expandiu anexando a maior parte da atual Alemanha , França e territórios adjacentes , e o processo de desintegração da Igreja foi estancado , invertendo-se a tendência de desaparecimento . Apenas a parte sul , chamada à época de Ocitânia , permanecia praticamente independente , sem influência de nenhum poder central. Esta situação de liberdade social , associada a uma inquietação quanto aos exageros e luxos dos representantes papais, favorecia o afloramento de novas idéias , voltadas para um Cristianismo mais fundamentalista, sem ostentação material alguma.

C-Segunda Viagem: Os Cátaros

Em meados do século XII, ao sul da atual França, na região antigamente conhecida como “Occitânia “ e que hoje é denominada “Languedoc” – ambos os termos significando “terra da língua do sim” - surgiu um movimento fundamentalista cristão , pacífico , que via no exemplo de vida de Jesus , humilde e sem luxo algum, a base de sua doutrina . Acima de tudo, a palavra de ordem era humildade - desprezando a soberba, a arrogância e os valores materiais.
Os integrantes deste movimento foram chamados , pelos historiadores eclesiásticos , de “cátaros-hereges” ou simplesmente “cátaros” - derivação de “katharoi” , puro em grego .
Considerado uma heresia pela cúria romana , tal movimento agregava integrantes de todas as classes sociais, sem distinção entre os sexos. Seu crescimento começava a incomodar o papado. ( lembremos que o termo “heresia” deriva do latim haerenses , que por sua vez veio do grego hayreses , que significa “ capacidade de escolher” - toda linha de pensamento que não seguia a risca os ditames de Roma , era considerada herética e passível de excomunhão , como primeira forma de punição espiritual , seguida de sanções físicas ) .
Pregando o retorno ao cristianismo primitivo, desprezavam a intermediação de qualquer instituição terrena nas questões de fé, defendendo a ligação direta dos servos com o Divino . Argumentavam que não se apregoa , em nenhum momento nos evangelhos , a existência da Igreja ou de qualquer autoridade regulatória da espiritualidade das pessoas.
Seus integrantes se dividiam em duas categorias : os leigos , chamados de crentes ( pessoas comuns ) , e os “perfecti” ou “bons homens”, que seriam os pregadores missionários, formadores da hierarquia da igreja cátara . Estes trabalhavam em duplas , visitando as vilas levando sua mensagem. Para este papel era preciso receber uma espécie de ordenação, realizada em cerimônia pública, chamada de consolamentum . Os bons homens viviam em pobreza absoluta , abstinência total e obediência a Deus e aos evangelhos. Os trabalhos eclesiásticos eram muito simples , pdendo ser desenvolvidos em qualquer local . Consistiam de uma leitura breve do evangelho , seguida por um sermão , uma benção e uma oração. Como nos tempos de Jesus, eles diziam.
Os crentes não faziam os votos. Podiam se casar, trabalhar, ter filhos, mas , em seu leito de morte , deveriam receber o consolamentum . Ministrado pelos bons-homens , assegurariam a entrada triunfal de todos no reino dos céus.
Como parte de suas convicções cristãs , negavam que o mundo físico pudesse ser obra divina, rejeitando a versão bíblica da Criação. Pregavam que Deus teria um caráter dúbio, tanto masculino quanto feminino. Deste conceito deriva a igualdade de direitos entre homens e mulheres nos diversos papéis exercidos, inclusive nas posições mais importantes na hierarquia cátara. Afirmavam que existiriam dois deuses , um bom , voltado ao mundo espiritual, e um mau relacionado ao material . Seriam polaridades complementares, uma dicotomia que satisfazia a todos e descontentava a verdade estabelecida. Mas não existiria inferno, pois todas as almas , via consolamentum, se salvam no final
Afirmavam que os desígnios divinos estariam além da capacidade de compreensão dos seres humanos, enquanto seres físicos. O absoluto seria francamente inatingível à experiência humana terrena . Para alguns , nesta colocação já podemos observar alguns princípios das doutrinas de Kant e Humes , estabelecidas apenas no final do século XIX. Também acreditavam na reencarnação das almas.
A salvação viria em seguir o exemplo de Jesus, com uma vida simples, sem luxo nem ostentação, livre de qualquer vaidade relativa ao mundo material.
Portanto, de nada adiantaria a existência de uma igreja como forma de canalização da vontade de Deus em relação às questões seculares – esta talvez fosse a maior das heresias: afirmar que não haveria justificativa para a existência da estrutura eclesiástica. A busca do divino através de experiências místicas diretas, marcada pelo pensamento neoplatônico, era uma das principais características dos cátaros – tal colocação forneceu munição pesada aos futuros acusadores , representantes do papa. Desejavam uma comunhão direta com o Criador, transcendendo o campo pessoal . Para isso teriam que atingir a sabedoria superior , chamada de “Gnose” por muitas comunidades espiritualistas .
Como principal texto doutrinário utilizavam o Evangelho de São João e um outro, chamado de “Evangelho do Amor”. Realizavam obras sociais concretas, ajudando os necessitados de diversas maneiras , pois acreditavam que a fé só seria uma experiência válida se exercida na prática , não permanecendo apenas no campo teórico . Investiam, por exemplo, em campanhas de promoção à saúde e educação, sempre gratuitas . Neste ponto percebemos que a preocupação com a filantropia, tão em voga atualmente , já existia nesta época . Seria uma forma de busca da perfeição com ser humano ,ou de aproximação com o divino.
Exerciam a tolerância religiosa de maneira plena, respeitando todas as vertentes e possibiltando a convivência pacífica entre todos que coabitavam a mesma região. Por não exercerem nenhuma forma de hierarquia , por respeitarem os credos diversos e pela união entre todos , podemos afirmar com certeza que exerciam fielmente os princípios de liberdade , igualdade e fraternidade , bandeiras muitas vezes defendidas por outros movimentos que viriam muito tempo depois deles. Em relação à Arquitetura, deixaram um grande legado . Construiram castelos maravilhosos e abadias grandiosas em regiões de difícil acesso, nos cumes de montanha e perto de precipícios . Além de proteger contra ataques , possibilitava aos fiéis observarem vistas maravilhosas das paisagens , a partir de suas sacadas . Hoje tais obras são famosos pontos de turismo e visitação.
Revestido pelo caráter humanístico, aceitando todos indistintamente e pelo exercício pleno da filantropia , tal movimento crescia vertiginosamente e começava a incomodar as autoridades eclesiásticas .


D- Terceira Viagem : A Cruzada Albigense

Em 1.165 houve a primeira condenação formal a esta doutrina, realizada na cidade de Albi , localizada no Languedoc. Deste fato deriva o termo “Albigense” , utilizado para denominar a cruzada e também o próprio movimento.
Pelo conjunto de idéias em franca disseminação e pelas ações junto às comunidades , os chamados heréticos se tornaram alvo da atenção do papado. Inocêncio III convocou uma Cruzada, conhecida como Albigense , sob a liderança de Simon de Montfort no período de 1.209 a 1.224 , e depois comandada pelo rei Luis VIII , de 1.226 a 1.229 . Foi a primeira realizada para atuar apenas no continente europeu, visando abafar uma ação cristã genuína , diferentemente das cruzadas tradicionais contra mouros e judeus .
Em 1.209 , um contingente de trinta mil cruzados se lançou rumo ao Languedoc, não apenas combatendo os cátaros, mas todos aqueles que se encontravam pela região , inclusive católicos simpatizantes moradores no local.
Na cruzada foram alistados todos os tipos de pessoas , como desajustados, desordeiros e mercenários. A violência contra a população foi extremamente severa e os registros da época nos mostram um horror e uma carnificina sem igual na História Ocidental.
Apenas na cidade de Beziers, em 1.209 , mais de sessenta mil sucumbiram queimados ou esquartejados . Existe a lenda de que , às portas da cidade , os cruzados relutaram por um momento antes do confronto, ao perceberem que haviam muitos católicos e pessoas comuns pela cidade . Mas foram incentivados ao massacre pelo prelado do Vaticano , ali presente, o arcebispo de Narbonne. Arnaud Amury tranqüilizou os atacantes afirmando que matassem todos, “pois Deus iria cuidar dos seus , posteriormente” .
Arrasada a cidade de Beziers, os cruzados marcharam triunfalmente para Carcassone , onde Simon de Montfort se apossou dos condados de Trencavel, Alzonne, Franjeaux , Castres, Mirepox , Pamiera e Albi. Em todos a matança foi massiva e cruel . A área ao redor das cidades de Carcassone e Toulouse foram completamente arrasadas. Muitos eram queimados vivos, em fogueiras coletivas com até quinhentos indivíduos. Mulheres, idosos , crianças e deficientes não eram poupados. O ânimo dos guerreiros papais era estrondoso , pois sabiam que se combatessem fervorosamente por quarenta dias teriam seus pecados perdoados e direitos legítimos aos produtos e riquezas originados dos saques.
Há de se registrar a postura solene e tranqüila da maioria das vítimas ao se encaminharem para o sacrifício , sem lamúrias nem choros, com sua fé inabalável servindo como sustentáculo espiritual neste momento de horror , mesmo quando a única certeza era de queimar lentamente em uma fogueira humana.
Por volta de 1.224 o rei Luis VIII , liderando os barões do norte , empreendeu uma nova cruzada, após a morte de Montfort em 1.218. Esta empreita durou cerca de três anos e chegou até Avignon ,onde terminou o cerco aos hereges. Em 1.229 foi realizado um acordo , conhecido como tratado de Meaux , entre o rei da França e os senhores feudais das áreas conquistadas, passando o domínio completo para a coroa. Terminava oficialmente a guerra.
Em cerca de quarenta anos de massacre , centenas de milhares tombaram sob a espada e fogueira do clero , não se poupando mulheres , crianças e idosos. Os números são variados , pois a única fonte de registro oficial pertence aos arquivos do Vaticano . Alguns autores mencionam 500.000 a um milhão de vítimas, mortos diretamente em combate, ou nas fogueiras , ou agonizando em masmorras subterrâneas.

E- O Legado Histórico

Após arrefecer a fúria cruzada , os sobreviventes passaram a pregar como realmente faziam os primeiros cristãos : em catacumbas, cavernas e nas florestas. Isto porque a cruzada albigense , apesar de sua brutalidade atroz , não fôra suficiente para exterminar todos os indivíduos nem tampouco os ideais cátaros.
O fortalecimento da Igreja Católica e sua hegemonia como “representante único de Deus na Terra” , estavam garantidos no sentido lato , mas ainda haviam reminiscências que deveriam ser resolvidas. A perseguição deveria persistir, mas de forma pontual e inconstante . Não mais seria possível nem interessante empreitar uma nova cruzada. Estava indicado o uso de métodos mais “inteligentes” , sem grande estardalhaço, mas com a mesma crueldade dos anteriores, marcando com sangue a vontade soberana do clero.
Rapidamente a pena papal começava a traçar novas investidas.
Em 1.231 , lançando a bula Excomunicamus , o papa Gregório IX refinava os métodos de obtenção de confissões dos hereges , criando os tribunais que seriam encarregados de tais missões. Chamados genericamente de Tribunal do Santo Ofício , deveriam zelar pela manutenção da fé e pela submissão total aos ditames papais de toda a população .Os que pensassem de forma contrária seriam tratados como hereges, sujeitos a perda dos direitos espirituais e materiais, com risco de perda de propriedades , da liberdade e da própria vida- sua e daqueles que os protegessem . A nova diretriz aproveitava para proibir a manutenção de bíblias nas casas de pessoas comuns.
Em 20 de abril de 1.233 , o mesmo Gregório IX lançou duas bulas que efetivaram as ações do Tribunal do Santo Ofício . Destaca-se a bula Licet et Capiendos , dirigida aos Dominicanos. Determinava que estes seriam os inquisidores , ordenando que não poupassem métodos para obter as confissões . Exigia apoio do poder secular , privando os pecadores dos benefícios espirituais com emissão de censuras eclesiásticas severas. O conjunto de ações direcionadas a inquirir , ou questionar o comportamento dos hereges , ficou conhecido como “Santa Inquisição”, nome que ficou estigmatizado como sinônimo de tortura, horror e irracionalidade .
Por volta de 1.252, o papa Inocêncio IV publicou o documento entitulado Ad Extirpanda , autorizando o uso de tortura física para se obter as confissõs. Além de trazer uma série de orientações aos inquisidores, continha uma frase que resumia bem os ânimos da época : “os hereges devem ser esmagados como serpentes venenosas”.
Em decorrência desta liberação, o mundo vivenciou uma fase negra da História , onde milhares foram torturados das mais diversas maneiras até confessarem seus eventuais “crimes”, mesmo porque ao assumirem a culpa seus bens seguiam diretamente para os cofres do Vaticano . O medo se espalhava nas pequenas comunidades . À chegada das comitivas do Tribunal se seguiam as cenas de mutilações , de dor e sofrimento que culminavam com fogueiras humanas em locais públicos . Os “julgamentos” eram aberrações jurídicas . Simples depoimentos poderiam condenar um suspeito, enquadrando-o por heresia, bruxaria , ou qualquer outro comportamento que não interessasse ao clero . Provas materiais não eram importantes , e institutos como amplo direito de defesa e habeas corpus não existiam .
Estas manifestações tenebrosas de autoritarismo geraram um grande descontentamento em algumas pessoas, livres de pensamento , que não aceitavam este desrespeito fragrante aos direitos humanos. Do campo teórico, partiram para a prática, se reunindo em associações secretas que trabalhavam discretamente em busca destes nobres valores, como integridade física, liberdade e igualdade. Nestas entidades , seria essencial a escolha criteriosa dos membros, para evitar que maus elementos ou espiões se infiltrassem. Os segredos que porventura existissem, deveriam ser garantidos mediante juramentos severos. A fraternidade tinha que ser perfeita entre todos, como se fossem irmãos de sangue. O objetivo seria proteger aqueles que fossem perseguidos pelo estado ou igreja, e aqueles que queriam ter apenas liberdade de pensamento. Portanto , o que transparece destes fatos é que do movimento cátaro , surgiu a perseguição sistemática e sangrenta de todos que ousavam ir contra o status quo. E esta brutalidade, encabeçada pela Santa Inquisição, incentivou o nascimento de diversas sociedades de proteção mútua . Dentre estas poderiam estar as ancestrais de nossa querida Maçonaria? Vamos aos fatos.
Analisando as teorias sobre o surgimento da Maçonaria , vemos que a preocupação com os segredos, o uso de códigos exclusivos e a existência de juramentos pesados podem atestar que somos efeito direto destas políticas terríveis, de perseguição aos que pensam de maneira diferente do poder, ou que lutam pela liberdade , desejando ser livres de pensamento. Qual o objetivo destas posturas, que não vemos em outras instituições ou clubes de serviço? A resposta só pode significar que , no passado , estes cuidados poderiam fazer a diferença entre viver ou morrer na fogueira – daí o rigor das obrigações secretas.
Da perseguição religiosa do século XIII , à publicidade da primeira potência em 1.717 , chegando à atualidade , notamos claramente que existem princípios comuns permeando os momentos históricos. Antes necessários para segurança dos membros, hoje preservados pela tradição e respeito aos tempos de luta.
Para a maioria dos estudiosos , as origens da Maç se dispersam nos registros formais da historiografia . Não temos uma única e definitiva versão deste processo, notadamente em relação ao local e data precisas do surgimento da primeira oficina.
Os dados oficiais , em grande parte , se perderam ao longo do tempo. Certamente , devido à perseguição visceral sofrida , os antigos IIR se viam obrigados a , massiva e eficientemente , destruirem atas , livros e todos os documentos que seriam tão valiosas aos estudiosos contemporâneos.
Muitas buscam relacionar o surgimento de nossa irmandade como sendo uma derivação das grandes escolas filosófio-religiosas do Oriente , que floresceram na Antigüidade . Estas , utilizando as mais variadas disciplinas , buscavam entender a natureza humana , e a justificativa para a sua existência . Mesclando valores religiosos , tais conceitos ficaram conhecidos , no mundo ocidental, como “mistérios” . Estes se relacionavam às questões que iam além do plano físico , transitando em universos espirituais intangíveis àqueles que não apresentavam preparo adequado para esta experiência . Os egípcios , persas e gregos antigos trabalhavam muito bem esta idéia , que transmitiam às suas ricas mitologias. Atualmente podemos considerar tais mistérios como pertencentes à psique humana , relacionada a termos popularmente conhecidos , como ego, consciente e inconsciente coletivos e assim por diante.
Da cultura grega , passando à civilização romana , estes “mistérios” teriam sido incorporados aos collegium fabrorum. Estas eram corporações de arquitetos e construtores que acompanhavam as legiões romanas, reconstruindo o que era destruído e edificando novas obras. Com pesada influência da mitologia dos povos conquistados , estes matemáticos teriam sido os divulgadores dos novos conceitos por grande parte do mundo ocidental. Na Inglaterra , estes construtores chegaram juntamente com a dominação romana , a partir do século V. Posteriormente , ao estruturarem-se as chamadas “guildas medievais” , os “mistérios “ teriam sido herdados pelos chamados maçons operativos , que integrariam tais corporações de ofício, e posteriormente repassados à maçonaria especulativa .
Nesta hipótese , envolvendo as guildas , aprendemos que os segredos da ordem deviam ser preservados devido aos conhecimentos exclusivos da filosofia e arte da construção , que não poderiam vasar para a “concorrência”. Mas , será que apenas esta preocupação arquitetônica justificaria a ênfase observada nos juramentos e posturas da maçonaria especulativa, nos tempos antigos e mantidos ainda hoje?
A resposta é : não.
Apenas estas preocupações relativas às ordens de construtores não explica , de maneira alguma , o que se exige de um IR , em termos de sigilo , fraternidade, postura adequada entre e fora das Ccols . Pior ainda quando mencionamos as pesadas sanções , que incluem desde banimento da sociedade até mutilações físicas ( em sentido metafórico ), a que ficam sujeitos os perjuros .
Outra teoria , que explicaria satisfatoriamente esta preocupação solene com os segredos e outros princípios , é que nossa Ordem teve origem em associações que visavam proteger homens perseguidos por um grande poder , que podia lhes inflingir castigos terríveis, incluindo violentas torturas físicas , perda da liberdade e de propriedades e da própria vida.
Após a Cruzada Albigense , certamente tais associações teriam surgido, principalmente na França, norte da Espanha e da Itália . Totalmente secretas e operando na “marginalidade”, abrigavam os remanescentes do Catarismo e de todas as outras correntes consideradas “heréticas” , pelo poder central ( estado e Igreja ). A partir de meados do século XIII , após o tratado de Meaux ,em 1.229 , tais instituições se alastravam discretamente pelas vilas e aldeões, requerendo de seus integrantes basicamente o que se pede aos maçons na atualidade : manter sigilo absoluto sobre todas as atividades , exercer a mais sincera fraternidade , ser um bom cidadão e bom “associado”e respeitar as regras da irmandade.
Estas agremiações foram evoluindo e , para melhor entendimento dos princípios que defendia , seria preciso elaborar uma base doutrinária para expressar seus objetivos . Para tanto, adotou diversas codificações poderosas , mitos antigos e metáforas de várias correntes filosóficas e religiosas pré existentes. Como simbolismo, nada melhor que utilizar os instrumentos da construção civil para materializar tais conceitos intangíveis, geralmente relacionados à moralidade , retidão, liberdade de pensamento, dentre outros.
Por volta do começo do século XIV , tal movimento receberia um grande fortalecimento , devido a eventos ocorridos envolvendo a mais poderosa ordem religiosa , o rei da França e o papa da época. Nos referimos à Ordem dos Pobres Cavaleiros do Templo de Salomão de Jerusalém , ou simplesmente Cavaleiros Templários. Fundada em 1.118 , com o objetivo inicial de proteger as rotas de peregrinos cristão que se dirigiam à Jerusalém, acabou se tornando uma rica instituição “bancária”, com verniz religioso-militar . Devido ao seu fenomenal patrimônio financeiro , incluindo inúmeras propriedades e créditos milionários com reis e nobres, foi perseguida a partir do dia 13 de Outubro de 1.307, pelo rei da França Felipe IV , “o belo”, em associação com o papa Clemente V. Quase todos seus membros foram presos e torturados. Foi oficialmente extinta em 1.312 , através da bula papal Vox in Exelsu . O último grão-mestre , Jacques DeMOlay , foi queimado na fogueira em 1.314 . Para muitos estudiosos , os cavaleiros que conseguiram escapar teriam se unido em associações secretas, principalmente na Grã Bretanha , França e Alemanha.
Nossa teoria acrescenta que os cavaleiros sobreviventes teriam reforçado as sociedades que já existiam, que tinham surgido em decorrência das primeiras perseguições aos “hereges cátaros”. A perseguição aos antigos cavaleiros do papa foi severa e sistemática por muitos séculos, o que justificaria ainda mais e a preocupação com o sigilo e proteção de todos IIR, sejam de qual origem fossem.
Com o passar dos séculos , enquanto as sociedades altamente secretas iam se reunindo esporadicamente e cumprindo seu papel de proteção mútua, vários profissionais das diversas áreas eram incorporados , desde que compartilhassem dos mesmos ideais que amalgamavam todos em comuinhão. Ao mesmo tempo , as perseguições foram arrefecendo. A Igreja passava por novas crises , tal como a Reforma, seguida pela Contra Reforma , e osurgimento de estados laicos . Novas vertentes de pensamento, como o Iluminismo e as novas ciências , baseadas na razão e humanismo, começavam a minar paulatinamente as colunas do templo de São Pedro.
Em meados do século XVII , um evento favoreceria a futura publicidade das sociedades secretas. Surgia uma associação de pensadores e cientistas , chamada “Royal Society”, em Londres , por volta de 1.662 . Seu fundador , um professor de astronomia da Universidade de Oxford e geômetra chamado Sir Cristopher Wrein , ficaria conhecido posteriormente como maçom ativo. O ganho de notoriedade de tal entidade, associado a mudança do ambiente político , dentre outros fatores, propiciaram a vinda a público das quatro lojas secretas de Londres, em 17 de Junho de 1.717 , com a fundação da primeira potência maçônica . A maioria dos IIR eram membros da Royal Society .
A partir daí a história passa a ser oficial , com registros históricos formais.
O que existe de real e inconteste, é que em seus primórdios a Maçonaria se caracterizava como uma sociedade que visava proteger homens perseguidos pela simbiose estado e igreja - aqueles que ousaram desafiar o status quo. O risco seria de perder propriedades , a liberdade e a própria vida, sua e de toda família . As vítimas , além de serem consideradas malditas eram condenadas à eterna danação infernal, pela excomunhão . Então, contra esta agressão e intolerância , nada mais óbvio do que fundar uma associação que pregasse justamente o oposto. Isto ocorreu logo após o massacre dos Cátaros , com o surgimento de células de proteção para “alojar” os membros perseguidos , que foram reforçadas pela derrocada dos Templários, e que adotaram diversos símbolos religiosos e da arquitetura antiga para explicar seus paradgmas e princípios.

F- Conclusão


Certamente , a aproximação entre os Cátaros e nossa Sublime Ordem se estabelece de forma direta , em uma relação simples de causa e efeito. Isto porque como desdobramento desta crise , a Igreja resolveu sistematizar o combate àqueles que ousavam afrontar seus ditames . O melhor exemplo desta empreita do clero foi, sem dúvida , a criação do Tribunal do Santo Ofício , ou Santa Inquisição – atualmente chamada de Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, que era capitaneada até pouco tempo pelo cardeal Joseph Ratzinger.
Esta política severa de controle sócio-religioso , baseada na força bruta , no autoritarismo e nos mais cruéis métodos de tortura, gerou reações na sociedade. Certamente “adubou” o terreno para a semeadura dos germes de grupos secretos de homens livres de pensamento , que necessitavam de proteção mútua. Unidos em fraternidade, com segredos mantidos sob pesados juramentos, tais associações foram as ancestrais de muitas comunidades iniciáticas atuais, que preservam muitos destes princípios da época negra de perseguições .
Podemos afirmar que , se o Catarismo não tivesse ocorrido - assim como sua aniquilação sangrenta posterior - talvez a mais perfeita das associações humanas nunca tivesse existido . Foi esta tese , perturbadora e fascinante , que nos levou a pesquisar sobre o assunto . Acreditamos que , se conseguirmos despertar um sutil lampejo de interesse no coração dos leitores sobre este capítulo da História , já estaremos prestando uma respeitosa homenagem aos bravos que tombaram nesta luta imoral , e contribuindo para o enriquecimento cultural de todos .
Por isso que ser um verdadeiro IR não significa simplesmente integrar um clube social, ter um grupo de amigos ou freqüentar uma comunidade religiosa. Esta confusão mental pode ocorrer por desinteresse , falta de orientação adequada ou de conhecimento , principalmente sobre as bases primordiais que sustentaram nossas colunas nas eras passadas . Para estes obreiros nossos juramentos , ritos e lendas podem soar como meras figuras de linguagem, ou alegorias sem sentido .
Concluimos que a derrocada dos Cátaros foi fundamental para o início do processo de formação das sociedades de proteção aos seus integrantes contra as investidas do estado-igreja. Dentre estas , situamos nossa Subl Ordem.
Estudar o processo histórico , que deu origem à Maçonaria , é uma obrigação inquestionável dos IIR que realmente se preocupam em compreender o que significa ser membro da mais perfeita sociedade, em pleno século XXI.

Referências :
1- Camino R. “Dicionário Maçônico “, Madras Editora, São Paulo , 2.006
2- Baignet , M ; Leigh R ; Lincoln H ; “O santo graal e a linhagem sagrada ” Nova Fronteira , 1.997.
3- Miranda H C , “Os cátaros e a heresia cátara” , Editora Lachâtre , 2.002.
4- Quigley C , “Ä evolução das civilizações”, Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro , 1.961
5- Robinson JJ , “Os segredos perdidos da Maçonaria”, Madras Editora, São Paulo , 2.005 ;
6- MacNulty W K , “Maçonaria: uma jornada por meio do ritual e simbolismo”, Madras Editora , São Paulo , 2.006 ;

terça-feira, 29 de julho de 2008

início dos trabalhos, meio-dia

Iniciamos os trabalhos ao Meio Dia, no solstício da primavera...